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Mulheres morrem apenas por se amarem

Atualizado: 22 de dez. de 2023

Duas mulheres se beijando com a bandeira lgbt ao fundo
Exigimos viver em um país seguro mulheres lésbicas - Foto: Paulo Pinto / Fotos Publicas

“Ô vizinho, você ficou sabendo do casal que foi assassinado dentro da própria casa?

Tô sabendo não, to trabalhando demais vizinho…,nesta cidadezinha tão pacata agora tá violenta assim?

Mas é que elas eram um casal de mulheres…tão falando que foi crime de preconceito por elas serem daquele jeito, sabe? Sapatão…

Oxente, mas isto não justifica não. O criminoso já tá na cadeia?

Tá não, dizem ainda que foi o tio que matou e fugiu pelo mundo.

Ave Maria, Deus abençoe e conforte essa família.

Amém, vizinho, Amém!”

Essa é uma história baseada em fatos reais sobre mais um casal de mulheres lésbicas que foram assassinadas dentro da sua própria casa por uma pessoa próxima. Em casos como este, a maioria das investigações são arquivadas, principalmente quando se tratam de mulheres pobres, pretas e periféricas, onde a família não tem recursos para conseguir uma justiça digna.


Uma pessoa matou duas mulheres.

Isto é crime.

Para o motivo de “preconceito”, o nome para esta situação é lesbofobia. Parece complexo, mas não é, vamos separar a palavra juntos: lésbica (mulheres que se relacionam afetivamente com mulheres) e juntar com fobia (medo), portanto, lesbofobia são crimes de ódio contra mulheres que se relacionam entre si. Parece mais um nome e mais uma complexidade no vocabulário LGBTQIA+, mas é muito importante que os casos de lesbofobia sejam categorizados dessa forma para um acompanhamento efetivo de política pública, ou seja, para entendermos se estamos evoluindo ou não nesta temática e assim, criar estratégias que possam mudar este cenário.


A má notícia é que estes indicadores são praticamente inexistentes em todo o país. Para entender um pouco destes números, primeiramente, precisamos saber quantas pessoas se autodeclaram como mulheres lésbicas ou bissexuais/pansexuais, então, vamos ao IBGE apurado em 2019:


“2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais se declaram lésbicas, gays ou bissexuais (AGENCIA BRASIL, 2022)”

A divulgação foi polêmica, pois segundo outras pesquisas realizadas por universidades como a USP, a população LGBTQIA+ chega a quase 20 milhões no Brasil, uma diferença exorbitante. Mas vamos ao que interessa, deste percentual quantas são mulheres que se relacionam com mulheres?”


Apenas 0,9% deste número se consideram lésbicas. O próprio IBGE disse que ainda é um “experimento” e que muitas pessoas não se sentem confortáveis em se autodeclarar da comunidade LGBTQIA+. Isso se dá a muitos fatores, seja pela própria pessoa que não se autodeclara por medo ou pela própria família que nega, já que muitas vezes o censo é realizado por uma única pessoa da família que responde por todos que moram ali.


O próximo passo é entender o percentual de mulheres que sofrem violência por lesbofobia, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2022 há um descaso na produção de dados e também imposição de barreiras ao atendimento da população LGBTQIA+. É importante explicar que não existe nenhuma lei específica contra crimes à população LGBTQIA+, dessa forma, os crimes de lesbofobia são regidas pela mesma lei de injúria racial e racismo, Lei n° 7.716/89, portanto, além da falta de capacitação dos profissionais no entendimento e acolhimento às vítimas, existe uma confusão no registro destes dados e consequente, não há relatórios com números assertivos.


Apesar de ser uma missão quase impossível conseguir estes indicadores, felizmente, coletivos, organizações da sociedade civil, familiares e a própria mídia têm buscado apurar esses casos. Segundo Gênero e Número (2022), em média 6 lésbicas foram estupradas no ano de 2017, sendo que 61% aconteceram mais de uma vez e a grande maioria dos agressores são homens próximos a essas mulheres, que convivem inclusive na mesma residência.


São 6 mulheres! Mesmo para quem não gosta de estatística, é possível identificar como este número é assustador por si só, ao colocá-lo na amostra de autodeclaração do IBGE, torna-se um percentual gravíssimo.


Não existe motivo que justifique o estupro, contudo muitas pessoas acreditam na “cura lésbica” através de reza, de casamento forçado e do estupro. Essas “soluções mágicas” não existem e causam problemas muito maiores como a depressão, suicídio e homicídio. A partir do Dossiê sobre Lesbocídio do Brasil de 2014 a 2017, foram identificadas 54 mortes no ano de 2017, um aumento de 237% em relação à 2014 e 19 casos de suicídio no mesmo ano, um percentual que representa 32% de toda a comunidade LGBTQUIA+.


Já que dá tanto trabalho porque investir?


Primeiro, porque vidas importam. Se você tem 10 filhas e 1 está doente, tenho certeza que você irá buscar entender o que está acontecendo e encontrar uma solução, porque não é sobre número, e sim uma vida importante.


Segundo, porque 1% de milhões de pessoas é muita coisa. Vamos imaginar que você trabalhe em uma empresa que há milhões de clientes, mas 1% faz reclamações diárias graves sobre o atendimento da empresa, diversas estratégias serão direcionadas para solucionar este problema: plano diagrama de espinha de peixe, reuniões com executivos, ações de marketing e com digital influencers, etc e etc; Isso porque estamos falando de reclamações, imagine se houvesse uma morte ou abuso de um cliente relacionado à empresa? Mobilização geral. Manifestações. Caos. Para segurança e direitos humanos, o país deveria estar se mobilizando da mesma forma, pois os casos de violência custam muito dinheiro para o Estado.


Terceiro, queremos viver em um mundo inclusivo e principalmente, seguro. O nosso imposto e o nosso voto deve ser direcionado para que qualquer pessoa viva de forma segura e consiga que todos os seus direitos como cidadã sejam assegurados. Afinal, todo mundo fala que adoraria viver em países com a Islândia onde há pouquíssimos índices de criminalidade, então, porque não agimos coletivamente em prol deste objetivo?


Mais questionamentos, menos violência. O que precisamos efetivamente é de políticas públicas que mudem este cenário. Hoje eu vou dormir pensando nestes números e eles não vão sair da minha cabeça tão cedo, porque mais do que números, eram mulheres que amavam e só queriam ser livres. DJ Ana Karolina de Souza Santos, Ana Paula Campestrini, Marielle Franco, Jeyciele Moura dos Santos, Clara Ferreira de Oliveira, Rosely Roth, entre outras mulheres vítimas de lesbofobia, presente!


Foto do rosto de Marielle Franco sorrindo
Marielle Franco - Foto Mídia Ninja

Este é um artigo publicado na Brasil de Fato em parceria com o Instituto Rebbú: https://www.brasildefato.com.br/2023/08/29/mulheres-morrem-apenas-por-se-amarem 


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