
A Crise Invisível no Norte
O Norte do Brasil costuma passar despercebido pelo que conhecemos como mídia hegemônica (que são os conglomerados de mídia, como o Grupo Globo, Grupo Folha, Grupo Estado, Grupo Record e Grupo Bandeirantes). O exemplo mais recente disso é o caso da seca histórica enfrentada pelos povos amazônidas. O Rio Negro registrou o seu menor nível em 122 anos de medição, afetando milhares de famílias. Lideranças indígenas narraram o terror causado pela seca dos rios em matéria recém-publicada no Brasil de Fato.
Sem acesso à água potável e alimentos, falta de suprimentos e de água para regar os plantios, além do aumento no preço das mercadorias, os munícipes se sentem ilhados, já que o transporte fluvial é o mais utilizado por eles. Mesmo diante de todo esse cenário de calamidade pública, o que mais repercute no país é a destruição causada pelo Furacão Milton no estado da Flórida, nos Estados Unidos.
Outro exemplo recente é o caso das queimadas financiadas pelo agronegócio que mais uma vez “inundou” os municípios do Amazonas em fumaça tóxica, causando diversas doenças respiratórias na população. A repercussão nacional só veio quando São Paulo teve seu território atingido pela mesma fumaça que há muito assola os nortistas.
O Audiovisual como Ferramenta de Mudança

É nesse contexto que surge o Comunidade na Tela, projeto idealizado pela cofundadora do Instituto Rebbú, Emile Gomes. Lançado em 2022, o projeto busca dar voz às comunidades da Amazônia através de oficinas e cursos de capacitação audiovisual, onde são ensinadas técnicas de enquadramento, tipos de sons, escrita para documentários, sinopse, roteiro e muito mais.
Uma vez capacitados, os alunos do projeto têm autonomia e podem assumir o protagonismo para produzirem documentários sobre a realidade em que estão inseridos, através dos olhos de quem as vive.
Na última semana, foi realizada mais uma ação do Comunidade na Tela, em parceria com a Associação Semeando Integração à Cidadania (ASIC), no bairro União da Vitória, onde foram capacitadas mais de 25 pessoas das mais diversas idades.
“[...] A gente traz aqui pros jovens, majoritariamente jovens, [...] a importância de a gente usar a comunicação como a nossa ferramenta de luta, quais são os tipos de documentários e como contar um pouco das suas histórias”, conta Emile Gomes, que também é mentora no projeto.
A mentora e idealizadora do projeto também comenta que os alunos narraram, em atividade prática da oficina, diversas dificuldades enfrentadas como falta de estrutura nas escolas, o desafio na trajetória de vinda da Venezuela para Manaus e, inclusive, o sofrimento de familiares que enfrentam a seca.
“Então são muitas histórias que as comunidades têm e a gente não quer que essas histórias morram” conclui Emile sobre a importância do projeto.
Uma das alunas da oficina vê o programa como o pontapé inicial para que eles possam produzir documentários populares sob suas perspectivas, além de destacar a necessidade de terem suas demandas ouvidas pelas autoridades competentes, através de suas produções.
Criando Vozes e Possibilidades

A formação de grandes grupos de mídia contraria o próprio sentido da palavra “comunicação”:
“É importante também expor o sentido etimológico da palavra comunicação, do latim communicationem (a ação de tornar comum), com sua raiz na palavra comum, communis, que significa “pertence a todos ou muitos”. Assim, podemos afirmar que o surgimento dos monopólios e oligopólios dos meios de comunicação, são um contra senso na construção e aplicação do real significado do que é comunicação, e que o surgimento da Comunicação Comunitária, vem para pôr em prática seu real significado” (Silva et al., 2019, p. 5)
Além disso, a mídia convencional atende apenas aos interesses de sua própria classe que, por sua vez, vão contra os interesses de 99% da sociedade brasileira. Projetos como o Comunidade na Tela são fundamentais para possibilitar que histórias, perspectivas e direitos das populações amazônicas tenham espaço. Como Carvalhal (2007) observa, a comunicação social precisa fazer parte da construção do espaço social, permitindo que comunidades, muitas vezes ignoradas, possam ser vistas e ouvidas. A internet democratizou o acesso à informação, transformando todos nós em comunicadores, e é essencial que iniciativas como essa continuem fortalecendo vozes e construindo cidadania.